Aspectos da escolarização de mulheres na EJA
Apresentaremos aspectos evidenciados em pesquisa realizada no período de 2013-2014, relativa ao processo de escolarização de mulheres na modalidade EJA. Buscamos verificar se havia e quais seriam os efeitos da escolarização das mulheres -que são mães ou responsáveis por crianças com idade escolar, s...
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Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires. Facultad de Ciencias Humanas. Núcleo de Estudios Educacionales y Sociales (NEES)
2014
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Apresentaremos aspectos evidenciados em pesquisa realizada no período de 2013-2014, relativa ao processo de escolarização de mulheres na modalidade EJA. Buscamos verificar se havia e quais seriam os efeitos da escolarização das mulheres -que são mães ou responsáveis por crianças com idade escolar, sobre suas vidas e as vidas de suas famílias. Procedemos a essa investigação qualitativa procurando compreender as motivações que trazem o adulto (a mulher, mãe, trabalhadora) de volta à escola, as razões que as mantém frequentes noite após noite e ano após ano e, especialmente em que condições esse retorno ocorre. Trabalhamos com entrevistas semiestruturadas gravadas em áudio e posteriormente transcritas. Coletamos depoimentos de um grupo de alunas matriculadas nasegunda etapa do ensino fundamental numa escola pública na cidade Belo Horizonte, Minas Gerais. Nossos resultados evidenciam como alguns modos de construção das relações de gênero se fazemsignificativamente presentes no cotidiano destas mulheres.Além degênero, raça, classe e geração são categorias que despontam como centrais ao se considerar essa parcela da população em específico.
A questão da escolarização básica, formal e regular, para muitos jovens e adultos no Brasil continua a permanecer um desafio a ser enfrentado, muito embora os índices de analfabetismo venham se mostrando nos últimos anos em constante decréscimo.
Os estudos produzidos recentemente no campo da Educação de Jovens e Adultos permitem verificar que o retorno aos bancos escolares na idade adulta implica, para homens e mulheres, em conciliar diferentes responsabilidades. O mercado de trabalho, com seus horários incompatíveis, consta sempre como um dos concorrentes que fazem com que educandos se ausentem da escola, embora seja também a principal razão mencionada para seu regresso e permanência nos estudos em busca de ascensão social e profissional.
Constatamos, por exemplo, com Resende (2008), que a ocupação de empregada doméstica em meios letrados aproxima essas mulheres, de alguma maneira, do mundo da escrita. Assim, o trabalho doméstico em residências de classes médias requer delas a inserção em práticas de escrita doméstica que não são comuns nos seus meios de origem (fazer listas de compras, anotarem recados, etc.). Ou seja, estando imersas em um ambiente letrado são solicitadas a desempenhar tarefas que demandam algum domínio da competência de escrita.
Para as mulheres, a carga horária de trabalho remunerado somando-se a escola concilia-se ainda na maior parte das vezes coma exclusiva responsabilidade do cuidado da casa e da família.Como vemos no depoimento de Laura: Olha, tem vez que o L. me ajuda, mas tem vez que não. Agora mesmo, só quando ele quer. Homem é assim né, só fazquando quer. (Laura, 25 anos).
O trabalho feminino na sociedade brasileira, consoante com a America Latina, se caracteriza em grande parte com o trabalho de cuidado. Dentro desta categoria encontra-se o trabalho doméstico, na sua dupla natureza, como trabalho remunerado e não remunerado. O trabalho doméstico é em sua grande parte trabalho de natureza reprodutiva. Diferentementedo trabalho produtivo, considerado sincrônico, cuja natureza é definida por ter claramente demarcado um início e um fim, o trabalho reprodutivo é diacrônico, ininterrupto, invisível. Ele transborda as fronteiras –frequentemente a mulher mãe concilia a tarefa de cuidado da prole, da casa e do seu trabalho remunerado e a escola, tudo ao mesmo tempo. Significa dizer que a mãe monitora a distância a casa e os filhos, por exemplo, tanto da escola como do seu local de emprego.
Contudo, não há em essência trabalho que seja em si mesmo feminimo ou masculino. As atribuições sociais estabeleceram esses lugares (Betânia ÁVILA, 2010). Nessa atribuicão de responsabilidades, inúmeros depoimentos dão conta de que as mulheres passam então a enfrentar a necessidade de múltiplas negociações, a fim de que encontrem de fato a garantia do seu direito a educação.
Cabe destacar que, longe de subordinar-se a um poder patriarcal manifesto na interdição a escola, as mulheres que não acatam os impedimentos, constroem seu espaço de autonomia e agencia. Recusando o papel de submissas, fazem valer seu direito a escola.
Uma de nossas entrevistadas, Gilda, relata a ação dos patrões e filhos de patrões que, ao longo da vida, deram-lhe muitos livros de presente por reconhecerem nela uma leitora profícua. Entretanto, ao retornar aos estudos, após os filhos criados, relata que a patroa teria dito –“ você não aprendeu nada até agora, minha filha, esquece! Palhaçada! Ce vai estudar pra que?”Em seu relato transparece uma contradição que se verifica quando ela menciona desenvolver atividades de toda ordem no cuidado da residência patronal em bairro nobre da região metropolitana, que estaria inteiramente sob sua responsabilidade. Sua atuação iria desde orientação de outros empregados e prestadores de serviço, os animais, jardins, cuidados com manutenção da casa, a alimentação da família até serviços de manicure, cabeleireira e depiladora da família.
Se de um lado, encontramos esse cenário de conciliação de múltiplas responsabilidades, por outro vemos que a escola está longe de compreender esses sujeitos nas suas diversidades e diferenças, ainda que a questão de gênero atravesse esta instituição de ponta a ponta. |